quarta-feira, 14 de março de 2007

O SILÊNCIO DO MEU OLHAR

Quisera eu que Déborah pudesse andar sozinha, corresse pela calçada, teimando em pular do sofá para o chão igual a Barbarah, sua irmãzinha caçula, e mesmo que ela chegasse em casa com os joelhos feridos por ter se machucado durante o recreio, eu seria, com certeza, como ninguém jamais foi, um pouco mais feliz.
Mas, mesmo ainda não sendo possível este sonho eu sou feliz, porque aprendi a encontrar a felicidade nas coisas mais simples que me cercam. Percebi que sempre há um brilho no seu olhar ao me ver chegar. Vi no seu sorriso de felicidade que eu sou muito importante na sua vida, e ela, a cada dia, começa a cobrar mais um pouco deste beija-flor.
No entanto, não posso negar, que apesar da explosão de felicidade que há no meu rosto, não exista uma lágrima de silêncio no meu olhar, pois ,vez por outra, ainda chego a questionar, não mais a Deus, mas a mim mesmo:” O que eu poderia ter feito e não fiz? O que eu fiz e não era para ser feito ? O que ainda posso fazer e não faço ? Estou eu acomodado ?” Ninguém me responde. Os porquês se multiplicam e caem aos meus pés procurando respostas que nem eu mesmo sei onde estão.
Assim silencio-me no meu próprio silêncio, escondendo essas lágrimas, não de mim, mesmo porque não posso, mas de todos que precisam do meu sorriso, inclusive minha pequena flor.
Quisera eu que Déborah falasse, quem sabe ao completar dez anos, ou quinze, ou até mesmo se demorasse mais vinte anos para ouvir sua voz, eu iria ser um pouco mais feliz, e mesmo que ela ficasse tagarelando, igual a sua irmãzinha na hora dos meus programas favoritos ( que já nem sei quais são ) eu não iria pedir que se calasse nem um pouquinho. Talvez seja por isso que adoro a tagarelice da Barbarah, mesmo me impedindo de ouvir algo de interessante na televisão.
E ali, retalhando o nada com olhar, eu sorrio em silêncio...
Déborah está crescendo. Ela já completou oito anos. E cada nova descoberta sua é uma vitória para nós No entanto, o seu peso também começa a aumentar e isso faz o seu pequeno mundo se tornar um pouco menor, pois ela agora se resume na dedicação de nós três: Suelane, Eu e a Patrícia, uma amiga que trabalha em nossa casa, que fica ao seu lado na nossa ausência, além do nosso pequeno raio de sol que chamamos de Barbarah, pois se por um lado ficamos felizes com a sua evolução, que a faz descobrir o mundo que lhe cerca, querendo fazer só aquilo que gosta, por outro lado sentimos muito o quanto isso tem lhe afastado de outros braços, antes tão presentes na sua vida .
Quando vejo Barbarah, com menos de quatro anos já vestindo sozinha a fardinha do colégio, deixando para nós apenas a tarefa de dar o laço nos cadarços, enquanto Déborah, em silêncio permanece sentada no sofá, tão dependente até para se expressar naquilo que quer que façamos para ela, não deixa de doer um pouco, pouco não, muito, bem muito, dentro de mim. Mas essa dor passa logo quando chego perto dela e recebo um abraço forte. Deus ! Por que ela me abraça assim ? Parece até me pedir desculpas por alguma coisa! Por que ela continua em silêncio como uma pequena flor? Será que sabe que este seu beija-flor tem por ela o maior dos sentimentos? Deus, faça-me, por favor, ouvir um dia, quem sabe, os seus pensamentos.
Sempre haverá um silêncio em meu olhar, e esse pequeno silêncio eu chamo de segredo, pois somente à Déborah eu conto. Não sei porque, mas depois que converso com ela, eu me sinto bem mais feliz, é como se eu, diante de tanta ternura que vem do seu olhar, me aproximasse mais um pouco de Deus.
O tempo continua passando rapidamente por mim. Mas para minha pequena flor ele adormeceu um pouco, parece até que ele quer que ela seja sempre criança. E ela, em sua inocência, ao me ver calado lhe admirando, pede para que eu fale no seu ouvido, talvez nem saiba que faço silêncio na ilusão de poder, quem sabe, ouvir o seu pensamento.
Quisera eu que a flor pudesse dar um beijo no beija-flor, mas ela permanece alheia aos meus pedidos e sorri ao ouvir minha voz. E quando tenho que sair de casa para trabalhar, após beijar Suelane e Barbarah, vou aonde está me esperando com um sorriso, é como se ao beijá-la no rosto, ela beijasse meu coração, no entanto, quando está dormindo na minha saída para o trabalho, não pode retribuir os meus beijos, e isso inspirou-me a fazer estes versos:
Ao voar o beija flor / Sacudiu todo o galho. / levou nos olhos o orvalho,/ deixando as lágrimas na flor. / Ao acordar, a linda flor / Brincou com as gotas no galho, / Pensando ser orvalho / As lágrimas do beija flor.

Transcrito do Livro : “ O Diário de Déborah” Não publicado
Autor: Vaumirtes Freire ' O Poeta do Silêncio

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