11/01/2001
. “A cada mês eu percebia que algo
estava mudando... e a cada dia eu perdia Déborah
para um pequeno mundo que nunca cheguei a conhecer.”
Aquele pequeno mundo que Déborah se refugiava todos os dias, era por mim muito questionado. Eu não conseguia, de maneira alguma abrir a porta que pudesse me levar a ele, nem que fosse por algum instante.
Por mais que eu tentasse fazê-la notar minha presença, ela permanecia alheia a qualquer movimento ao seu redor, nem mesmo os brinquedos musicais, que por sinal eram inúmeros, nem os barulhos insistentes dos maracás que balançávamos na sua frente tiravam-lhe a atenção das argolas coloridas que rodava constantemente fazendo-a sorrir, numa alegria que me dava ciúmes. Eu não aceitava ser trocado por aquelas argolas...mas nada me fazia trazê-la para o meu mundo.
Girei várias vezes as argolas para Deborah, sempre que queria vê-la sorrir. Eu alimentava em mim uma esperança de um dia, quem sabe uma vez só, ela me percebesse.
A cada dia essa esperança aumentava. A cada mês eu percebia que algo estava mudando... e cada dia eu perdia Déborah para um pequeno mundo que nunca cheguei a conhecer. E mesmo pegando na minha mão várias vezes como se me pedisse para continuar girando as argolas, eu sentia que estava muito distante de mim...e ela já completava seus três aninhos de vida.
Todos os meus recursos pareciam esgotados. Meu sonho era vê-la um dia chorar ao me ver partir, ou quem sabe, sorrir ao me ver chegar, mas mesmo eu a chamando pelo nome, continuava perdida em seu silêncio, sorrindo para algo invisível que somente ela via...e eu chorava.
Chorei muitas e muitas vezes, enquanto ela sorria para as argolas coloridas que eu mesmo girava. Debinha era um pequeno anjo com o qual eu não conseguia me comunicar. E na ansiedade de interagir com ela, eu, sem saber, era cúmplice, deste silêncio que roubava meu pequeno anjo de mim. Descobri que aquelas argolas coloridas, mesmo fazendo-a sorrir, lhe aprisionavam numa outra dimensão, deixando-a distante de mim, mesmo estando ao meu alcance.
Por intermédio de alguns neurologistas, soube que o simples gesto de rodar qualquer coisa que ela tocasse, era sintoma do altista, e que nós deveríamos impedi-la de continuar com este ato repetitivo.
Era então, essa a nossa missão: impedir que Déborah girasse qualquer objeto. E para cumprir tal missão, teríamos de perder o seu sorriso que ficou mais raro. Havia instante que eu, mesmo sabendo que não era correto, girava as argolas só para ver o seu sorriso mais uma vez.
Com o tempo, Debinha começou a se interessar por música, e quando algumas tocavam, ela começava a sorrir. Suelane e eu gravamos várias músicas que gostava e repetíamos sempre.
Entre muitas músicas já passadas, hoje Déborah é apaixonada pela música “Amor Sem Limite” do rei Roberto Carlos. E quando Barbarah resolve fazer dupla com o rei, ela não dispensa uma gargalhada.
Porém, nada é mais importante hoje para ela do que a minha presença, por isso tenho renunciado a vários convites em que, por ocasião de horário, não posso levá-la.
Ela parece já conhecer o som das minhas passadas, e ao perceber que estou chegando vem correndo ( de joelhos ) para os meus braços.
Suelane e Barbarah se reversam comigo na missão de fazê-la estar sempre presente no nosso mundo e as argolas coloridas se ainda existem, Debinha nem percebe e seu mundo já não é mais tão limitado.
Somos felizes ao seu lado e eu não poderia querer mais, e como diz o rei: “Eu nunca imaginei que pudesse existir um amor desse jeito, do tipo que, quando se tem, não se sabe se cabe no peito.”
E quando estou lhe ensinando a andar e a vejo tão feliz, não acredito que possa existir algo que me faça mais contente, vendo-a assim, igual a um passarinho aprendendo a voar.
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Hoje Déborah perto de completar 16 anos já não anda mais, nem por isso deixa de me fazer feliz quando vem ao meu encontro de joelho. Às vezes penso que meu pequeno anjo vem rezando por eu chagar em casa. E ela abre os braços e esculto seu coração batento como se me chamasse de pa-pai...pa-pai...pa-pai
Transcrito do livro: “ O Diário de Déborah” Autor Vaumirtes Freire