terça-feira, 28 de abril de 2009

Página do Diário de Déborah


A cada nova crise de Déborah, como ela passava dias sem comer e isso a deixava fraquinha, ela parava outra vez de dar alguns passadas sozinha, então começávamos tudo novamente. O pior era vê-la se recuperando e saber que em menos de um mês tudo iria se repetir. Era essa a nossa rotina por mais de três anos.
. - Vaumirtes Freire

Naquela manhã, quando completavam doze dias que Déborah não comia, eu achei que iria perder minha florzinha, pois a cada dia eu a via murchar sem que eu pudesse fazer nada. Suelane, em sua fragilidade de mãe ao ver o filho enfermo, chorava e procurava força em mim, e eu, em Meu Silêncio, chorava escondido, talvez nem soubesse que também encontrava forças nela.

Déborah estava ali, em silêncio. O seu olhar parecia me pedir ajuda. Eu conseguia ouvir seus pensamentos. Uma dor se transformava em uma angustia dentro de mim ao ver que o único alimento de minha filha era soro.
Estávamos ali, no hospital mais uma vez e agora parecia pior, pois Déborah não demonstrava nenhum sintoma de que iria comer e aquilo aos pouco tirava nossas esperanças.

Era mais ou menos duas horas da madrugada quando chamei a enfermeira para que viesse troca o soro novamente. Quando a enfermeira saiu do quarto eu percebi o silêncio que me cercava e senti uma paz interior, era uma paz tão grande que me deu medo. Senti que alguém estava me observando. Não sei como, mas senti que estava sendo observado por alguém que eu não conseguia ver...achei que estava mesmo com medo. Então me abracei com Déborah, como se buscasse proteção naquele corpinho tão frágil que dormia em silêncio e acabei dormindo sem querer, pois eu teria que ficar a noite toda segurando no seu braço para que ela não tirasse a agulha do soro da veia.

Ao acordar me assustei...Déborah estava sorrindo, parece que havia passado a noite toda me guardando como um anjinho. Nunca entendi como pude dormir daquele jeito dado a minha preocupação, penso até hoje que naquela noite Deus passou ali conosco, ou enviou um de seus anjos para nos vigiar.
Na manhã seguinte Déborah amanheceu sorrindo. – “Ela esta mais espertinha “– disse Suelane quando veio ficar com ela a tarde, pois ensinou pela manhã.

Como eu havia sido dispensado do serviço resolvi ficar direto ali no hospital. Por volta das 16h30 o doutor Nilton chegou. Ele agora era o médico de Deborah, pois o anterior já não sabia mais o que fazer, então resolvemos em busca de algo diferente, de alguém que tivesse a ousadia de continuar aquela caminhada conosco.
E por incrível que pareças o grande problema era o plano de saúde que pagávamos, pois segundo a médica ela teria sido chamado a atenção por pedir muitas guias de internação para Déborah. Mas o Dr. Nilton, de uma maneira totalmente diferente dos demais chegou para Déborah naquela tarde e sentou-se na sua frente e falou: “Déborah, hoje você vai comer, tá me ouvindo ? O titio vai mandar trazer sopinha para você e vai você Déborah vai ter que comer.” Déborah sorria em silêncio.

Suelane e eu, tínhamos certeza de que era impossível Déborah comer uma sopinha, pois até então ela só ainda comia papa de Neston. Nunca, apesar de nossa insistência, ela nunca comeu outra coisa. E agora, nem isso. E já fazia quase doze dias que só tomava soro. Mas para a nossa surpresa naquela tarde Déborah resolveu comer. E no meu silêncio eu chorei, chorei de tanta felicidade... Deus existe ! eu falava comigo mesmo.

Faz mais de um ano que não precisamos mais internar nossa filhinha. Cada dia é uma nova conquista, cada mês surge uma nova esperança. Aos pouco foi sarando em nós aquela ferida do trauma que nos matava toda às vezes que íamos dar-lhe sua comida, pois temíamos que tudo fosse repetir.
...E se repetiu, porém não desistimos jamais de acreditar de que um Ser Superior encontra-se ao nosso lado e a pesar de não vemos a cada dia sentimos sua presença no sorriso de Dénborah.


Transcrito do livro : “O Diário de Déborah” Autor: Vaumirtes Freire – Escritor