sexta-feira, 26 de outubro de 2007

À SOMBRA DO SILÊNCIO





“Guardo comigo retalhos de momentos que consegui olhar nos olhos de minha filha tão especial. Essa lembrança é minha fonte de fé, onde me abasteço de esperanças de novos amanhãs.”



(20/03/2004)

Às vezes ainda fico me perguntando até quando conseguirei ter essa força tão sublime que me move na realização de minha missão de cuidar de uma flor especial. É tão imensa essa força que chega a me surpreender.
Renuncio a tudo, tem momentos que nada mais parece fazer sentido, a não ser a obsessão que me aprisiona em busca de uma palavra só: “ Papai. “ Tão esperada por mim há mais de onze anos, e que se esconde à sombra do silêncio no olhar de Déborah .
Ainda me flagro chorando, tentando encontrar uma resposta pelas várias perguntas sem eco que faço a mim, tornando-me refém de uma guerra comigo mesmo. Uma parte de mim querendo explicações sem aceitar o silêncio e a outra, a mais forte por enquanto, vivendo de metáforas e imaginações poética que me fazem ser feliz em meu mundo.



Até quando farei versos à sombra do silêncio?
Às vezes ainda respondo por Déborah as próprias perguntas que a faço, mas percebo que as respostas são diferentes de antigamente embora sendo as mesmas perguntas. E nessa comunicação que contraria o fio de beck, me surpreendo com as perguntas que saem de minha boca, é como se minh’alma enganassem meu cérebro e falasse por si só.
Não entendo, por isso sei que nenhum de vocês também irá entender. Um exemplo dessa minha separação comigo mesmo é o que escrevo semanalmente na coluna de um jornal e dias depois de publicado, ou até mesmo quando leio no sábado a coluna, me assusto ao ler frases que não lembro de nunca de tê-las escritas. Chego a mim emocionar como se tudo para mim fosse novidade, é como se eu lesse algo escrito por outra pessoa.
Não sei até quando publicarei meu sorriso à sombra do silêncio.
Outro dia, quando Debinha acordou, como de praxe, às 4 horas da madrugada, eu acreditei ter ouvido me pedir: “canta papai”, pois é isso que sempre faço para fazê-la ficar sossegada abraçada comigo. Mas o sono era tão grande e acabei por algumas vezes cochilado fragmentos de segundo e quem sabe eu tenha sonhado, mas só lembro ter ouvido aquela canção vindo de tão longe. .” Canta papai”.
Preciso acreditar que não foi um sonho... Eu me dou este direito para ser feliz.



No entanto aquele momento não se repetiu, mesmo eu tendo feito um silêncio tão profundo que se materializou como uma rocha, dando-me até o poder de ouvir seus pensamentos.
E minha filha, como se abraçasse um anjo ficou deitadinha comigo até o dia abrir as pálpebras do novo amanhã, enquanto eu continuava na certeza de que uma voz vindo de seus lábios, um dia poderia iluminar a sombra daquele silêncio
E hoje, quando Barbarah, sua irmãzinha, a primeira coisa que ela me disse ao acordar foi: “Papai eu lhe amo, papai eu lhe amo”, e me encheu de beijos, e ao perguntá-la porque sempre dizia duas vezes, ela sorriu ao dizer: “E eu só falei uma vez por mim a outra foi pela Debinha.”
Raras vezes Déborah, consegue olhar nos meus olhos por alguns segundos, e neste momento me alimento de inspirações e fé.
Dizem que sempre haverá amanhã. Acredito neste pensamento, por isso o sorriso no meu olhar. Mas até quando existirá essa flor especial que faz este beija flor, em plena multidão dos seus problemas, sorrir e ser o eterno poeta a sombra do silêncio?

Transcrito do livro O Diário de Déborah Autor Vaumirtes Freire

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

UM ANJO DA GUARDA VISÍVEL




“ Alguém poderá até me ver falando sozinho, respondendo as próprias perguntas que faço, talvez nem perceba que falo com meu anjo da guarda que o chamo carinhosamente de Déborah.”



Chovia.
Era uma chuva fina, mais intensa. O véu de noiva que cai sobre a cidade de Sobral, nossa Princesa do Norte só era visível nos ângulos de luz dos faróis do carro ou das luzes dos refletores que iluminava a Catedral da Sé destacando os fios d’ água no meio da noite que já avizinhava.
Sobre a ponte Dr. José Euclides, nós deslumbramos no final do contorno do espelho d’água a outra ponte que mais parecia feita de luzes que refletia nas águas silenciosa da barragem vertedoura onde a princesa se banhava. Enquanto dirigia respondia as infinitas perguntas de Barbarah. Ela questionava tudo. O por quê disso? Por que aquilo? Quem construiu aquilo? O que era aqui no passado? O passado a que se refere é sempre na época que eu era menino, segundo ela gostaria de ter me conhecido: “Você seria o meu melhor amigo, painho.“ . Então sempre volto ao passado para lhe contar as minhas travessuras, coisa que ela adora.
Percebo que Babu tem vocação para historiadora, ou quem sabe, uma grande escritora. Mas voltando ao nosso passeio. Enquanto Barbarah conversava comigo, no outro extremo do nosso diálogo, em silêncio como um anjo da guarda que velas nossos sonhos, Déborah observava tudo sorrindo num mundo de paz celestial. Os pneus do carro salpicavam cacos de espelhos d’água deixados pela chuva na avenida Mons. Aluízio Pinto, jogando-os sobre os canteiros.


Trechos do poema " Um anjo da guarad visível" do livro: O Diário de Déborah

UM PRESENTE QUE VEIO DO CÉU


Déborah é um pequeno anjinho que surgiu do céu para meus braços. É, sem dúvida nenhuma, mensageira da fé e da paz que transmite através do seu sorriso cheio de ternura. É uma fonte inesgotável de felicidade que transborda alegria, salpicando-nos de sonhos. E eu que um dia pensei que fosse feliz antes de conhecê-la.


(1997)

Naquela tarde, quando soube através do Dr. Gerardo Cristino, após examinar uma tumografia computadorizada, que Déborah tinha uma grave lesão no cérebro e que iria, pra sempre, limitar sua vida, que seria uma criança diferente das outras, e que iria precisar muito de nossa presença para que não se fechasse num mundo só dela, eu pensei que o mundo fosse acabar naquele momento. Lembro-me que ainda consegui perguntar se ela, um dia iria poder falar, mas obtive como respostas, por alguns segundos, o silêncio, talvez, tentando ganhar tempo para me responder sem me magoar. Só depois da minha insistência foi que falou: “ Você tem fé em Deus ? Então, tudo é possível” .O dia seguinte a essa tarde, enquanto tentava a transferência de minha filha para Fortaleza, sentei-me ao seu lado ali no leito da Santa Casa, e como estávamos sós , desfiz-me do desfarce de forte que usei para acalmar Suelane, e igual a uma criança só na multidão, pus-me a chorar.Questionei Deus várias vezes na minha dor: “Por que eu, justamente eu, entre milhões de pessoas ?” E por não saber o que dizia, Ele me perdoou. Desfiz-me dos meus sonhos para viver a minha realidade que não queria de maneira nenhuma aceitar. Não havia mais horizontes na minha vida. O que conquistar ? Se o que eu mais queria na vida eu perdi para uma síndrome de West. Abandonei o curso na faculdade de Tecnologia, mesmo faltando só dois semestres para concluir, porque achei que não havia mais sentido, pois o que fazer com aquele diploma na mão? se o que eu mais queria era que minha filha corresse para os meus braços ao me ver chegar. Que pelo menos pudesse me chamar de papai, que fosse simplesmente igual as outras crianças.Aos pouco, Deus foi respondendo todas as minhas perguntas. Então passei a questionar a mim mesmo: “Por que não poderia ser eu ? Por que deveria ser qualquer outra criança e não Déborah ?’’E eu passei a entender mais o sentido de cada minuto da minha vida, pois o tempo não parecia passar para Debinha. E quando eu via uma criança mais nova do que ela descobrindo o mundo, enchendo os pais de perguntas, enquanto minha filha permanecia em silêncio sem ao menos notar minha presença, aquilo, apesar da dor, fazia-me crer que havia um motivo maior de sua existência, então agarrei-me nesta fé e cheguei a conclusão de que tinha que ser eu o escolhido para ser o beija-flor desta flor que perfumava minha vida de amor e ternura.Se eu falar que nunca alguém jogou Déborah contra mim estaria mentindo. Pois já houve quem falasse que ela era um problema para minha vida e que eu deveria priorizar outras coisas mais importantes, caso contrário fechariam as portas para mim... e fecharam. Porém enquanto este intelectual materialista fechou uma porta, outros já tinham aberto várias. Mas Déborah, a cada dia cativava mais pessoas que se tornavam responsáveis por ela de alguma maneira.Até os três aninhos de idade, ela não percebia minha presença. Nem tão pouco a minha ausência a fazia ficar triste, isso era o que eu pensava por vê-la ali na minha frente e ao mesmo tempo tão distante.Suelane e eu, numa dedicação possível só para quem realmente ama, passamos a ser a outra metade dela, pois Debinha, ao contrário das outras crianças precisava de estímulos constantes para que não se distanciasse mais ainda de nós, pois se a deixássemos sozinha por alguns minutos ela caia no sono.Lembro-me que colocávamos um objeto na sua frente e lhe ensinávamos a tocá-lo, mas ela nem ao menos olhava para nós, parecia muito longe. Mas mesmo assim continuávamos a repetir esse movimento, talvez movido por uma fé, que até nós mesmos duvidávamos que existisse antes de conhecer nosso anjinho azul.Talvez eu já tivesse até no ponto de desistir, não sei, mas numa manhã, quando sentei-me novamente na sua frente para realizar nossa rotina, notei que o seus olhos rapidamente olharam dentro dos meus. Então procurei a linha do seu olhar rapidamente mas, não mais o encontrei.Três meses depois capitei outro olhar seguido de um sorriso, mas nem pude saber se demorou muito, pois comecei a chorar e abraçá-la. Deus existe ! Foi a única frase que consegui gritar. E daquele dia em diante eram comum a troca de olhares entre nós... Déborah, aos poucos nascia para o meu mundo.Mas Deus havia reservado para o mês seguinte outra demonstração de sua existência. E quando eu colocava os brinquedos sobre a caixa onde iríamos realizar uma terapia ocupacional, senti a falta de um deles. Eu o tinha colocado ali a poucos minutos, enquanto fui procurar os outros. Para a minha surpresa, Déborah o tinha pego e estava com o objeto na boca, e ainda sorria para mim com um olhar de anjo maroto. Foi impossível descrever tanta felicidade.Hoje Déborah é uma buliçosa de primeira. Adoro me aborrecer com ela mexendo nas minhas coisas, e se lhe digo que ela não pode mexer ali, ela teima, e nem por isso deixa de me fazer feliz com a sua teimosia de criança sapeca, o que realmente é, graças também a teimosia minha e de Suelane, que foi alimentada pela fé de que Deus sempre existiu.

Transcrito do livro : “O Diário de Déborah “Autor : Vaumirtes Freire – Membro do Centro Cultural dom José/Sobral